sábado, 16 de julho de 2011

A Bicicleta vai nua?

imagem Mário Cruz - Lusa
A 'cena' das biclas em Portugal, e exceptuando as tribos mais desportivas, pode ser ainda considerada, no mínimo, um 'fenómeno' bastante tímido.

Entre aqueles que decidiram inserir a bicicleta na sua locomoção diária (nos quais eu me incluo), e fruto dos imensos preconceitos que por cá existem, uma boa parte, mais do que usar a bicicleta e não pensar muito nisso, é 'ciclo-activista'.
É normal portanto que este nicho de portugueses que tem a, imagine-se, audácia de usar a bicicleta no dia a dia, tente 'contagiar' mais pessoas a fazer o mesmo, quer através da escrita em blogs (olha aqui um bom exemplo), criação e participação em eventos (mais ou menos aperaltados), etc

Um desses eventos, aconteceu recentemente em Lisboa: a primeira edição do World Naked Bike Ride, onde os seus participantes se propuseram a passear nus, nas suas bicicletas, em prol do bem comum e ciclístico.

"Ao andarmos nus de bicicleta, declaramos a nossa confiança na beleza e individualidade dos nossos corpos enquanto chamamos a atenção para os sítios onde a bicicleta não é utilizada. Este é um catalisador para que exista uma mudança de comportamentos e um futuro na sustentabilidade, transporte, comunidade e divertimento."

Infelizmente (ou talvez não) a policia acabou por não permitir a nudez completa, e portanto este foi um evento semi-nu que mesmo assim não desmotivou os magotes de jornalistas e curiosos (de mãos nos bolsos) de aparecer e escrever/filmar/fotografar sobre este evento.

Como de costume, e com qualquer coisa que gere um mínimo de polémica, os comentários por este país fora revelaram o nosso já habitual atraso civilacional, roçando entre o 'púdico bacoco' e o 'automobilístico-irritado' aka a-estrada-é-toda-nossa.com :D

Se sobre este assunto já foi tudo, ou quase tudo dito, o que me faz escrever este post é uma pequena e simples reflexão sobre o tal ciclo-activismo em Portugal e a estratégia que tem sido seguida para mudarmos de paradigma:

. Será que é com este tipo de eventos que vamos realmente conseguir colocar mais pessoas a andar de bicicleta diariamente?
. Será que o 'português médio' ao ver um punhado de ciclistas em cuecas ou bikini vai sentir uma súbita ânsia de pular para o selim e ir para o trabalho a pedalar? Será que fica mais sensibilizado para respeitar os ciclistas (ou apenas ajuda os críticos a ridicularizar)?
. Será que o 'enlatado' que vai a apanhar monumental seca no transito originado pela Massa Crítica vai sentir-se solidário com a sua causa?
. Um punhado de ciclistas com apitos e atitude de estrada 'pseudo-anarquista' consegue demonstrar a superioridade moral e sentido de responsabilidade ambiental tantas vezes reclamada?

Eu vou participando em algumas destas actividades, que, embora sejam bastante enriquecedoras do ponto de vista social, infelizmente (e esta é uma reflexão muito pessoal e sobre a qual não tenho grandes certezas) começo a achar que nem todas ajudam mais pessoas a começar a pedalar no dia a dia, talvez provoquem é um aumento do fosso entre os que já o fazem e os demais restantes...

Não sei... que dizem?

6 comentários:

leandro ribeiro disse...

Este ano consegui andar de bicicleta no meu dia-a-dia sem isso se tornar (muito) um assunto, mas é verdade que em muitos casos isto é (ou torna-se facilmente) uma bandeira de superioridade moral que, na maior parte das vezes, afasta mais que contagia.

Esse eventos certamente puxam malta, mas é sempre pouca e é sempre malta "da mesma". Acho que cada um, individualmente, contagia mais só por aparecer nos seus compromissos de bicicleta do que por sair uma vez por mês com activistas. Não digo que esses convívios sejam de matar - não são -, são interessantes numa lógica de convívio entre malta que partilha um conjunto de convicções.

Já a crise deve ter feito mais pela bicicleta urbana que qualquer bicicletada em cuecas. Tenho-me cruzado com muita malta que não parece estar no selim por amor a Gaia, mas por necessidade.

Rui Sousa disse...

Eu conheço muitas das pessoas que são impulsionadoras da massa-critica e outros movimentos afins.

Fui só uma vez a uma massa critica e cheguei à mesma conclusão. A forma como é feita a manifestação não vai trazer muito mais pessoas para a causa. Vai é criar anticorpos em quem não quer ou não pode usar a bicicleta.

É mais eficaz cada um de nós tentar "converter" um amigo ou um colega de trabalho do que participar numa massa critica.

Todos nós devemos ter um conhecido que ao fim-de-semana faz maratonas de BTT, algumas com mais de 100 km. Será que essas pessoas são difíceis de converter? Se calhar só falta experimentarem um dia...

Miguel Barroso disse...

Sérgio, partilho muito das mesmas dúvidas que tu. Sinceramente não sei se muitos destes eventos conseguem motivar quem ainda "está de fora" no que às bicicletas diz respeito. O grande segredo aqui é conseguir "pregar fora da igreja". Foi esse para mim o grande móbil de lançar o Cycle Chic em Lisboa. Onde noto mais resistência a este movimento, é dentro do seio dos utilizadores de bicicleta. Já entre os não utilizadores, que antes não ligavam muito à "conversa das bicicletas", noto uma franca curiosidade, e vontade de experimentar. Como o criador do Cycle Chic original diz, trata-se de marketing positivo. Utilizar as mesmas ferramentas de marketing que a indústria automóvel usou durante os últimos 100 anos.

Sinceramente acredito que o Cycle Chic, é um movimento muito útil na promoção da bicicleta. Não é o único, nem será o que vai convencer toda a gente. Mas faz-se o que se pode ;-)

Tal como o teu blog, e as excelentes fotos que tens feito. Sao imagens simples, de gente normal, de alguém com quem os que ainda não usam a bicicleta se podem identificar. E é isso que é muito importante - conseguir que as pessoas se projectem na imagem de alguém que usa a bicicleta. Enquanto formos apenas uns "esquisitos" que têm a mania que são diferentes, a generalidade das pessoas continuará a olhar para nós desse modo.

Se conseguirmos que as pessoas olhem para alguém numa bicicleta e pensem "eu podia fazer isto!" ou "eu quero fazer isto!", então sim, podemos dizer que conseguimos aquilo que pretendíamos!

Sérgio Moura disse...

Viva Leandro, é como dizes... estes eventos são acima de tudo 'coisas' sociais, interessantes para os participantes se conhecerem, mas não passa disso.. Já a imagem que fica em quem vê o grupo passar, suponho que seja variada, nem sempre positiva..
No caso da Naked Ride acho que o principio e/ou objectivo ficam completamente subvertidos pelo circo mediático que se gera e que basicamente pouco quer saber das bicicletas. O objectivo é basicamente fotografar mamas e pouco mais..

Rui: não poderia concordar mais, aliás e mesmo como participante, costumo dizer que andar no dia a dia é que faz os "enlatados" pensarem duas vezes senão estão a encarar o problema da locomoção de uma forma errada.

Miguel: também concordo contigo, e acho que são os exemplos das pessoas ditas 'normais' que fazem a diferença, só lhes falta perceber que andar de bicicleta, sem ser por desporto, é normal! :D

Abraço a todos e obrigado por comentarem :)

António C. disse...

Caros,

o naked ride tem o seu papel. Existe sempre um medo enorme de estas coisas afastarem mais do que agregarem. Curiosamente tenho uma opinião contrária. Acho que a pior censura é mesmo a auto-censura.

Existem milhares de praticantes de naturismo em Portugal, e por serem mais sensíveis a algumas questões poderão ser mais facilmente convertidos a participar na promoção deste meio de transporte.

A naked ride, ou o cycle chic ou a massa crítica ou o bicycle film festival, sozinhos não vão chegar à população toda. Mas o aparecimento de diversos nichos de utilizadores que quer ir para as ruas reclamar a utilização das mesmas em segurança só pode ser visto, no meu entender como uma coisa positiva para se ir diversificando o leque de pessoas interessadas na temática.

Contrariamente ao que foi dito aqui, as caras não são sempre as mesmas. Tem aparecido muita gente que participa nestes eventos pela primeira vez. É verdade que a nossa influência junto dos amigos e colegas de trabalho pode ser maior. Mas a existência de eventos mais mediáticos aparecendo em 3 telejornais, mesmo que a mensagem principal seja relegada para segundo plano, trás sempre novos interessados e preocupados com a causa.

A crítica e auto-censura ao movimento de ciclista é que penso ser contraproducente, porque no meu entender, mais vale fazer alguma coisa, do que simplesmente ficar à espera que as coisas mudem por si, pela crise e pelo diabo a sete...

Pedro disse...

Muito bom o debate.

a minha opinião é:
- o português acha a bicicleta coisa de pobre, de merceeiro do bairro, estudante, miudos... (ou a versão atlética... ciclista de domingo! de calcinha de licra)
enquanto não se ultrapassar este lado da superioridade de quem chega de mercedes ao trabalho ou a uma reunião... esqueçam!

As pessoas vão continuar a endividar-se cada vez mais... ou trocar a alimentação por petróleo! porque para deslocarem-se em carro há sempre dinheiro... basta ver pelo trânsito que ainda existe muita gente que tem como prioridade deslocar-se de carro... apercebam-se do tráfego no inicio de cada mês e notem que por volta do dia 15... as pessoas deixam de ter dinheiro para a gota.e vê-se menos carros na rua..

é pena a bicicleta ainda ser algo marginalizada... mesmo aquelas pessoas que visitaram ou estudaram em países onde a bicicleta é o primeiro meio de mobilidade... acabam sempre por se render a ter o cú alapado numa viatura.

Eu uso a bicicleta desde os 10 anos para me mover na cidade do porto e arredores... embora tenha encostado a bicla por os tempos em troca das botas que me levavam a todo o lado!

Neste momento uso a bicicleta para quase tudo... não por questões monetárias, mas porque me dá prazer... vejo coisas que não observaria se fosse enfiado numa lata, chego mais de depressa e acima de tudo não contribuo para a morte do planeta!

e por acréscimo poupo uns trocos e ganho mais saúde!

quanto a convencer pessoas... acho que qualquer figura pública conseguiria convencer individualmente muita gente... como aconteceu em outros países... nós nem a mulher por vezes convencemos... mas vamos tentando.

na união das pessoas é que se consegue defender algo...

massas criticas são boas para as pessoas se encontrarem, falarem de experiências, algumas pessoas iniciarem-se nas lides da bicicleta... manifestar o nosso interesse em que as condições para os utilizadores de bicicleta mudem... ou será que os que apontam o dedo às massas criticas estão satisfeitos com as condições da nossa cidade para andar de bicicleta???

Todo o tipo de manifestações são bem vindas, já que precisamos de crescer...

o que temos no Porto... é zero comparado com os utilizadores de muitas aldeias do país onde as pessoas se movem de bicicleta para todo o lado!